Há muito, muito tempo atrás, quando o mundo era jovem e alegre, os adultos devem ter sido muito mais parecidos com as crianças do que são hoje em dia, pois eram tão encantados por contos de fadas quanto qualquer criança de hoje, e acreditavam em fadas, muito mais do que alguns meninos e meninas sérios e espertos de hoje. Por que não deveriam acreditar nelas, pois que as encontravam dançando nas clareiras das florestas, e as viam, lindas meninas fadas, vagueando e nadando nos charcos dos rios? Essas fadas eram tão cordiais quanto formosas ao olhar; e a fada do carvalho ou a da nascente abandonaria o seu lar à passagem de um belo pastor ou de um guerreiro; e os dois cairiam de amores um pelo outro e, por vezes, se casariam. Homero, o mais antigo dos poetas gregos, conta-nos, como se fosse a coisa mais natural do mundo, sobre um homem que se casou com uma fada e sobre como, sendo eles pessoas gentis e amáveis, construíram uma casa nas proximidades de uma estrada onde se dedicavam a entreter todos os passantes. Esse tipo de coisa ainda acontece nos dias de hoje nas ilhas do Pacífico − ou assim creem os nativos. Um nativo da Nova Caledônia, jovem amigo de meu primo Jim, veio visitá-lo e, após permanecer por longo tempo, na hora de dizer adeus parecia nervoso e chorava.

“Qual é o problema, velho amigo?”, perguntou Jim. “Você parece preocupado. Posso ajudá-lo?”

“Em três dias serei um homem morto”, disse o nativo.

“Mas por que essa ideia absurda?”

“Enquanto eu vinha para cá pela floresta, encontrei uma fada que se parecia exatamente com a moça com quem eu estava para casar, e a beijei”.

“E por que não beijaria?”, perguntou Jim, que era escocês de nascença. “Qualquer um o teria feito. É isso que você chama de tabu, beijar a sua jovem mulher”?

“Não, isso não é o tabu”, disse o pobre coitado, “porém ela não era Maluka, minha noiva, a qual agora nunca será minha esposa. Era uma fada e se desvaneceu enquanto a beijava, tal qual uma leve bruma da manhã se desvanece na encosta. Ela era uma fada!”

“Bem, suponhamos que fosse. E daí?” perguntou Jim.

“Devo morrer dentro de três dias! Pois quem beija uma fada morre dentro de três dias. Então, adeus, não nos veremos novamente”.

E não se viram novamente. O amante morreu dentro dos três dias previstos.

Como vê, existem fadas, nas ilhas distantes, e Louis Stevenson ouviu falar nelas com frequência, e os homens as veem e se apaixonam por elas; então é claro que acreditam em fadas, embora sejam adultos. O senhor Lawson, um homem instruído, não nos diz em seu livro sobre a Grécia que viu uma fada? (Ele a chama de “ninfa” ou “nereida”, pois essas são as palavras gregas para “fadas”). Eu gostaria de ter a sorte dele mas, como Joana D’Arc disse a seus juízes, “Eu nunca vi uma fada, não que eu soubesse que era uma fada”. Não, nem mesmo nos Kensington Gardens. Ainda assim, elas são, até hoje, vistas nas Highlands e ver é acreditar.

Portanto, antigamente, os adultos acreditavam em fadas, como qualquer um de nós acreditaria caso conseguíssemos vê-las. Por que, quando um jovem grego do tempo de Homero encontrava uma bela jovem na floresta, antes de qualquer outra coisa, perguntava: “você é uma fada ou uma deusa”? Porque era uma coisa normal a se fazer. Consequentemente, esse aprazível povo da antiguidade misturava fadas com religião. As histórias sobre os deuses e deusas da Grécia são meros contos de fadas; alguns, belíssimos; outros, nem um pouco.

Porém, quando o Cristianismo tornou-se conhecido entre gregos, romanos, germanos e highlandersi, esses povos, crentes em fadas e em mil maneiras pelas quais os pássaros e as bestas podiam falar, e em tudo mais de maravilhoso, contaram a seus professores cristãos toda sorte de contos de fadas. Este costume agradável estendeu-se por longo tempo. Você verá, neste livro, histórias maravilhosas, narradas no Egito, sobre animais e pássaros amigos dos santos, sobre Santo Antão, sobre São Jerônimo e seu amigável leão, e sobre Santa Doroteia, para quem um anjo muito parecido com uma fada trouxe os frutos e flores do Paraíso. Esses santos eram os melhores dentre os homens e mulheres mas suas belas histórias parecem, talvez, um tanto fantasiosas. Observe as selvagens fantasias dos irlandeses nas histórias de São Brandão e nas de São Columba, o primeiro a trazer o Cristianismo da Irlanda para as Highlands. Eu acho que a história de São Columba é a melhor de todas; embora tenha sido registrada em latim não muito depois de sua morte por um dos membros de seu mosteiro, ainda assim, muitas das anedotas não são religiosas, mas apenas lendas, as quais até hoje, as pessoas do local ele viveu, ainda contam e acreditam. Ouso dizer que algumas histórias são autênticas, mas outras, como a da estaca mágica dada pelo santo ao homem pobre, não são muito prováveis. As lendas de São Cuteberto são muito menos maravilhosas, pois ele não viveu nas Highlands, mas entre os ingleses da fronteira próxima ao rio Tweed, e esses jamais compartilharam com os outros povos o prazer com os contos de fadas. As histórias de São Cuteberto são muito mais singelas do que as aventuras selvagens de santos irlandeses como São Brandão. A história que, de alguma forma, veio a ser contada sobre o santo padroeiro da Inglaterra, São Jorge, é um mero romance de cavalaria. A parte sobre o dragão foi contada na era mais primeva da Grécia, envolvendo Perseu e Hércules, Andrômeda e Hesíone.

Sobre a Santa inglesa, Margarete, Rainha da Escócia, simplesmente não há lendas maravilhosas; mas um volume inteiro seria necessário para todos os milagres engendrados pela intercessão de São Tomás Becket após sua morte. Em vida, porém, ele nunca fez nada de muito fantástico.

Nenhum Santo tem mais lindas e inocentes histórias feéricas contadas sobre si do que São Francisco, o amigo do lobo, que foi convertido por ele, e o pregador dos pássaros; enquanto Santo Antônio de Pádua era ainda mais miraculoso quando conseguia que os peixes do mar comparecessem ao seu sermão. Os peixes, assim parece, são surdos à voz humana: você pode falar o quanto quiser quando estiver pescando, desde que as trutas não o vejam. Não é fácil simpatizar com o Santo que ficou tanto tempo em pé sobre o topo de uma pilastra. Talvez ele pensasse que, com este feito, as pessoas ouviriam falar dele e se deslocariam para ouvir suas santas palavras e, por esse prisma, parece que foi bem sucedido. Talvez Santa Colete tivesse uma motivação similar para se calar de forma tão reservada durante algum tempo, após o qual partiu para fazer o bem no mundo. Tal como de muitos santos, dizia-se que ela, ocasionalmente, levitava, mas não tão frequentemente quanto São José de Cupertino que, no tempo do rei Carlos II, uma vez voou a distância de 80 metros e era habitualmente visto sobre suas “asas”. Em outros aspectos, a vida deste homem santo não foi tão interessante ou útil quanto as nobres vidas de São Francisco Xavier, São Vicente de Paulo, São Luís da França, Santa Isabel da Hungria e do grande amante de livros, Ricardo de Bury. Em suas histórias, há escassos abanos da varinha de uma fada, mas imortais exemplos de coragem, paciência, gentileza, cortesia e piedade em relação a Deus e aos homens.

Andrew Lang

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